A assessoria de imprensa do STF, informou ontem, 18/06/18, o resultado do RE 605.709, que tem como tema central a (im)penhorabilidade do bem de família de fiador, nos contratos de locação. O resultado do julgamento foi o provimento do recurso extraordinário, oriundo de embargos à arrematação, promovidos em cumprimento de sentença de ação de cobrança de alugueis, apresentado por fiador em um contrato de locação não residencial.
Inconformado com a penhora do seu único bem, o fiador apresentou recurso extraordinário, com base no art. 6º da CF, que trata do direito social à moradia. Em um primeiro momento, em sede de análise monocrática, foi negado seguimento ao recurso, porquanto entendeu o então Rel. Min. Dias Toffoli, que a matéria já se encontra pacificada no STF, no sentido da constitucionalidade da penhora, mesmo após a EC 26/2000[1]. Conhecido e provido Ag. Regimental, a decisão do RE foi submetida à colegialidade da 1ª Turma do STF.
Na análise de mérito do recurso, entenderam os Ministros, contrariando o entendimento já firmado pelo STF, que, no caso específico, de fiança de contrato de locação não-residencial, fica o fiador desonerado de cumprir obrigação com a expropriação de seu bem único de morada, considerado como de família.
Nesse sentido, o entendimento fere, no nosso sentir, frontalmente o art. 3º da lei 8.009:
3º. A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:
VII – por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.
As nossas considerações são baseadas nos dados da divulgação da assessoria, em razão do acórdão ainda não ter sido publicado. Aparentemente, o fundamento da decretação de impenhorabilidade direciona-se à preservação do direito fundamental à moradia.
Em nossa perspectiva, a decisão é um desserviço, não só a interpretação, mas, como também, ao papel do judiciário na intervenção de questões simplórias, tais quais como esta.
O que poderia afetar a razão simplória do julgamento seria a hipótese de se tratar de um caso complexo, autorizando, na perspectiva de R. Dworkin, o afastamento da regra, com a consequente aplicação principiológica. Contudo, a situação é extremamente básica, muito em razão da previsão legal e, mais que isso, trata-se de garantia pessoal, voluntária por natureza e que preserva as bases do negócio jurídico, em especial a autonomia da vontade.
A decisão aguça a sensação de impunidade do devedor, tão agravada pela incapacidade de gestão do processo pelo judiciário e, neste ponto, gera ainda insegurança jurídica considerável, pois alterar sensivelmente uma modalidade de garantia antiquíssima e já consolidada no negócio jurídico da locação.
Apenas para reflexão, a decisão muda o enfoque do mercado para as garantias financeiras, tais como seguro-fiança e os títulos de capitalização, muito em razão da insegurança jurídica que provavelmente afetará os locadores e administradoras de imóveis, impactando significativamente na liquidez dos contratos de locação.
Importante dizer também, que, em tese, por se tratar de decisão proferida em sede de Recurso Extraordinário, sua aplicação fica limitada ao caso concreto, não tendo efeito vinculante aos demais casos que já tramitam ou ainda tramitarão no judiciário.
[1] Cezar Peluso, 2ª Turma, DJe 12.3.2009; AI 693.554, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe 11.2.2008; RE 591.568, rel. Min. Ayres Britto, DJe 18.9.2008; RE 598.036, rel. Min. Celso de Mello, DJe 6.4.2009; AI 642.307, rel. Min. Marco Aurélio, DJe 26.6.2009; RE 419.161, rel. Min. Joaquim Barbosa, DJe 9.11.2009; AI 718.860, rel. Min. Dias Toffoli, DJe 19.4.2010; e RE 607.505, rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe 5.3.2010.”