O processo civil brasileiro, de forma sistemática, utiliza, como um dos seus eixos, o princípio do juiz natural, para a garantia, dentre outras coisas, de um juízo imparcial e independente. Fundamental mesmo, antes da incursão aprofundada no tema, é verificar a distinção entre o juízo (jurisdição) e o foro.
Na tradicional definição de competência, utilizando os critérios de fixação estabelecidos pela norma, a ideia do legislador é traçar mecanismos objetivos de direcionamento da causa à sua localização, em termos de organização. Através desses critérios, posso definir, por exemplo, se é a Justiça Federal, em uma das suas regiões, apta a julgar determinada causa, se, na verdade, quem é competente é o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, na comarca de Uberlândia e assim sucessivamente.
Definido, pois, este plano, fica a dúvida ainda com relação ao juízo apto ao julgamento da causa, porquanto a estrutura judiciária, demanda fundamentalmente uma ampliação de secretarias, uma vez que, inclusive administrativamente, faz mais sentido a distribuição das demandas submetidas ao judiciário. Quero dizer com isso, que cada local terá sua divisão própria. Algumas comarcas terão, por exemplo, 10 (dez) Varas Cíveis, como é o caso de Uberlândia. Outras, terão juízo único, ou, centenas de juízos, como é o caso da cidade de São Paulo.
As partes, portanto, pelo ordenamento jurídico nacional, não podem escolher, entre os juízos competentes ao julgamento, quem seria àquele a se debruçar sob as questões de direito, sob pena de ofensa à imparcialidade, também decorrente da ideia do juiz natural.
Assim, o CPC, que já deixou de ser novo, em ser art. 284, exige que havendo mais de um juiz, os processos serão distribuídos, isto quer dizer, submetido à um sorteio entre aqueles aptos a julgá-lo, cabendo as partes, ao Ministério Público e a Defensoria fiscalização desses métodos de distribuição.
Feita distribuição, fixada está a competência do juízo, a menos que exista causas de incompetência, que pode ser absoluta ou relativa, ou algum dos critérios modificativos de competência, tais como: conexão, continência, clausula de eleição de foro e, para alguns, método, e não causa, prevenção.
Não ocorrendo qualquer hipótese de modificação ou decretação de incompetência, haverá a perpetuação da competência e o juízo estará incumbido perpetuamente da condução daquele litígio até sua resolução final. Há de considerar que, por questões relativas à perspectiva vertical do processo, e outras questões mais modernas de órgãos especializados em cumprimento de sentença, poderá existir uma modificação incidental, mas que não correrá à margem da legislação.
Interessante olhar para o Código Argentino e observar que, especialmente em seu art. 14, há previsão que corre na contramão de nosso sistema, senão vejam:
ARTICULO 14.- Los jueces de primera instancia podrán ser recusados sin expresión de causa. El actor podrá ejercer esta facultad al entablar la demanda o en su primera presentación; el demandado, en su primera presentación, antes o al tiempo de contestarla, o de oponer excepciones en el juicio ejecutivo, o de comparecer a la audiencia señalada como primer acto procesal. Si el demandado no cumpliere esos actos, no podrá ejercer en adelante la facultad que le confiere este artículo.
Trocando em miúdos, podem as partes, no direito argentino, rejeitar, sem “expressão de causa”, ou seja, sem qualquer motivo aparente o juízo designado. Seria, basicamente, criar a possibilidade de as partes rejeitarem o processo que caia na “X” Vara Cível da comarca de Uberlândia.
Há algumas limitações, como, por exemplo, a impossibilidade de fazê-lo, no rito sumaríssimo, não mais existente no direito processual civil brasileiro, mas, que, em tese, seria um rito mais rápido e com menos atos, direcionado a causas de menor expressão. Além disso, nas causas em que há existência de litisconsorte passivo e ativo, ela poderá ser usada somente uma única vez. Sobre o momento de apresentação, o autor deverá fazer em sua primeira manifestação, enquanto o demandado deverá fazê-lo ou ao tempo de sua primeira manifestação nos autos, seja na contestação ou ato tempo de apresentar oposições.
O modelo brasileiro, no tocante a apresentação das incompetências, ainda subsiste no modelo argentino e é denominado recusa com expressão de causa, oportunidade em que as partes poderão falar sobre hipotéticos impedimentos, no sentido semântico, do magistrado.
O direito processual civil argentino é riquíssimo, porquanto a constituição confere às províncias, capacidade para legislar sobre direito processual – como se isso não ocorresse informalmente no Brasil (risos) -, mas, fato é, que nas 23 províncias existem regras, sobretudo procedimentais, extremamente variáveis, sobremodo porque temos códigos “federais”, provinciais, municipais e, ainda, da cidade autônoma de Buenos Aires.
Espero que tenham gostado. Para quem quiser saber mais sobre o assunto, a advogada Camila Almeida Araújo, tem um artigo denominado “Direito Processual Civil Argentino”, que faz parte da obra Direito Processual Civil Latino-Americano, organizados pelos Professores Carlos Henrique Soares e Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias, publicado pela Editora Arraes, que em que pese ter sido escrito de forma comparativa ao CPC/73, tem um conteúdo muito legal.
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Heitor Amaral Ribeiro. Advogado, Sócio do Amaral Advogados. Professor de Processo Civil na ESAMC Uberlândia. Coordenador da Escola Superior da Advocacia da 13ª Subseção da OAB/MG.